À medida que o nono dia de um novo ano avança, a cidade de Maebashi, na província de Gunma, a um pulinho de Tóquio, torna-se o palco de uma tradição tocante: a cerimónia de queima de bonecos Daruma.
O Hatsuichi Matsuri é uma celebração profundamente ligada ao boneco Daruma, uma encarnação de Bodhidharma, o venerado patriarca do Budismo Zen. A lenda diz que sua meditação imóvel levou à perda de seus membros, e por isso o boneco Daruma é representado apenas como uma cabeça sem corpo e sem membros. Ao longo dos anos, estes bonecos tornaram-se mais do que simples figuras; são indicadores de fortuna e tenacidade na cultura japonesa.
Construídos com camadas de significado, os bonecos Daruma não são apenas curiosidades encantadoras; são talismãs potentes de prosperidade. A sua forma redonda e sem membros é um testemunho de resiliência, e são muitas vezes trocados como símbolo de perseverança.
Ao ser adquirido, o olhar do Daruma está em branco. O novo proprietário, cheio de desejos, pinta o olho esquerdo com um objetivo em mente. Quando o desejo ou objetivo é alcançado, o olho direito também é pintado, completando a visão. A jornada do Daruma culmina num ritual comunitário no templo local, onde aqueles que têm ambos os olhos pintados se juntam a uma pira, com a sua vigília silenciosa terminando em chamas.
Ao testemunhar a queima, fui invadido por um desfile de emoções silenciosas gravadas em cada rosto de cada boneco. Lembrei-me das diferentes formas que as pessoas escolhem para conduzir as suas vidas. Alguns bonecos tinham um olhar de indignação, outros contemplavam com admiração seus companheiros a arder, enquanto alguns permaneciam resolutos, desafiando o inferno. Mas, no final, cada um tem que sucumbir ao mesmo destino: ser transformado em cinzas.
Com as brasas ainda quentes, o ciclo renova-se. Vendedores enchem as ruas, com as suas bancas a formar um mosaico de Daruma. Novos sonhos serão gravados em seus olhos esquerdos. E assim que se tornem realidade, também no olho direito. E assim, os Daruma aguardarão a sua passagem ardente no próximo festival.
