A terceira maior cidade na província de Shimane, Hamada, fica num lugar perfeito. Arrumada entre o Mar do Japão num dos lados, e montanhas com florestas no outro, o seu cenário não pode ser muito mais idílico. Porém, não é pelo cenário que cá estou. Na realidade, assim que estou a chegar, o meu carro vira na direcção oposta ao mar, para um bairro residencial em que a maior parte dos edifícios parece igual. Por fora talvez, porque por dentro existe uma casa que é especial: o atelier de máscaras de Iwami Kagura da família Kakita.
O senhor Kenji Kakita dá-me as boas vindas quando chego. Tal como acontece na maioria dos ateliers de artesanato tradicional no Japão, primeiro conheço o filho, que é um artesão a seguir a tradição da família, e mostra o atelier aos visitantes, e só mais tarde conhecerei o pai e mestre artesão.
Uma máscara de uma princesa, branca com pequenos salpicos de barro, saúda-nos quando entramos no atelier. Na realidade o barro é o primeiro material usado no processo de criação de uma máscara de Iwami Kagura. Historicamente estas máscaras eram feitas de madeira, mas esse material tornou-se demasiado pesado para os actores que precisavam de algo mais leve para as danças com movimentos rápidos que executam em palco.
Para solucionar este problema, os artesãos encontraram uma solução engenhosa: começaram a fazer máscaras de papel. A região de Iwami, também conhecida historicamente por Sekishu, é famosa pelo seu papel washi, leve mas muito forte, o que o torna a matéria prima de eleição para as máscaras. Mas para dar ao papel a forma de um demónio ou de um herói, os artesãos precisam de um molde, e é aqui que entra o barro.
Kenji Kakita mostra-me o processo de criar um molde para uma das máscaras, a partir do barro. Meticulosamente dá forma a cada detalhe de cada máscara com pequenos utensílios, tornando um sorriso ou um esgar mais ou menos pronunciado. Depois dos moldes de barro serem aquecidos e endurecerem, começa o próximo passo: várias camadas de papel Sekishu washi são aplicadas na parte de dentro do molde, usando um adesivo especial feito de tanino de dióspiro. Este material tem propriedades que repelem insectos e água, o que o torna ideal para este processo.
Depois de aplicadas todas as camadas, o molde é partido com um pequeno martelo, deixando apenas a máscara de papel com a sua forma. Agora começa a terceira fase: fazer buracos para os olhos, nariz, e para os locais onde será aplicado o cabelo, ou pelo. Não pode ser usada uma broca porque ficaria emaranhada nas camadas de papel, por isso os artesãos tiveram de encontrar outra ideia engenhosa. Usam ferros em brasa de diversos diâmetros para queimar buracos no papel.
Depois de terminado este passo, a máscara é polida até a sua superfície ficar lisa, o que a deixa preparada para o último passo do processo. É aqui que tenho o prazer de conhecer o mestre artesão, o senhor Katsuro Kakita, pai de Kenji. Ele dá os retoques finais na máscara, que vão desde a aplicação de cabelo e pelo, ou outros materiais decorativos como folha dourada, ou carvão, até à pintura das nuances mais subtis que dão a cada máscara o seu carácter.
Uma máscara de Iwami Kagura pode demorar até um mês a ficar concluída, mas a família Kakita não sente que a máscara esteja completa nesta fase. “Isso só acontece quando a máscara é usada pelos actores de Kagura, em palco. É aí que a máscara ganha vida, e que o nosso trabalho realmente fica completo”.