Santo Estevão foi o primeiro mártir cristão. Diácono de Jerusalém, consta que, antes de ser condenado ao apedrejamento por blasfémia pelas autoridades judaicas, tinha a seu cargo a distribuição de comida pelos mais necessitados. O seu dia comemora-se a 26 ou 27 de Dezembro, em vários locais no mundo, mas é em algumas aldeias da Terra Fria Transmontana que essas comemorações ganham contornos mais peculiares. Ousilhão, no concelho de Vinhais, é uma dessas aldeias.
Ali a festa começa cedo. De manhã, os quatro mordomos, rapazes escolhidos no ano anterior, andam de casa em casa acompanhados dos gaiteiros. Abençoam as famílias cantando e dançando.
À medida que a manhã vai avançando, por entre as casas de pedra, começam-se a ouvir chocalhos, e a ver vultos vestidos com cores garridas. São os máscaras, mais conhecidos como caretos, que envergam máscaras de feições animalescas e demoníacas. Talvez sejam herança de cultos pagãos antigos, que celebravam o solstício de Inverno. Vão acompanhando os mordomos pela visita às casas da aldeia, fazendo as mais diversas tropelias.
Antes, este papel estava reservado aos rapazes da aldeia. Hoje em dia, sinal dos tempos em que há mais igualdade, ou quem sabe simplesmente pelo facto de haver cada vez menos jovens nestas aldeias, por trás de uma máscara tanto pode estar um rapaz como uma rapariga.
Talvez por homenagem ao mártir cristão que dá o nome à festa, ou simplesmente por tradição, as famílias visitadas deixam a mesa posta para que os mordomos, os músicos, e todos os participantes na festa, possam comer e beber à vontade. Aqui não se pode ter vergonha. Entrar, comer, beber, e celebrar com as famílias da aldeia faz parte da tradição.
Durante a tarde é tempo de ir buscar o Rei e os seus dois Vassalos. Coroados com coroas de papel brilhante, e carregando uma vara com uma laranja espetada na ponta, são levados em cortejo num carro de bois puxado pelos mascarados, até à igreja onde se celebra a missa em honra ao Santo Estevão.
Finda a missa, e à medida que o dia curto de inverno vai terminado, vão todos para uma zona da aldeia onde fazem uma fogueira, e dançam e saltam pelo meio das labaredas, para terminar a festa.
É uma mistura estranha esta. Das sagradas celebrações em homenagem ao santo, passa-se rapidamente ao profano das mascaras e das danças pagãs à volta das fogueiras. Mas talvez faça sentido. Talvez os demónios vindos de outro mundo, representados pelas máscaras, tragam à festa a magia que leva os participantes a reforçar a sua fé, e a continuar a acreditar em algo mais do que a realidade com que são brindados diariamente.
NOTA: Estas imagens foram captadas nas festas de Santo Estevão de 2018 e 2019. Em 2020, devido às restrições causadas pela pandemia Covid, não ocorreram quaisquer festejos.