São 5 da manhã. Toca o despertador. Lá fora ainda está escuro e não se vê ninguém na rua. No dia anterior a minha fixer Miyako, tinha-me dito que íamos ter de estar à porta da destilaria de sake às 5:45. Essa era a hora que ia começar a produção de sake do ano.
Há uns anos atrás tinha visto o documentário ‘The Birth of Sake’. Este filme acompanha um conjunto de trabalhadores de uma destilaria tradicional. Tocou-me de tal forma que fiquei imediatamente com vontade de um dia poder fotografar o processo de produção desta que é a bebida nacional do Japão.
Anos mais tarde a oportunidade surgiu. Era assim que me encontrava, numa fria madrugada de Novembro, à porta da loja que serve de entrada à destilaria Juji Asahi , em Izumo, na província de Shimane. Quando estão em pleno funcionamento as destilarias de sake são fáceis de identificar. Basta procurar pela sugidama. Esta grande bola de cedro é normalmente pendurada à entrada no início do período de produção, em Novembro. Permanece até ao fim, em Março assinalando que naquele lugar está a ser produzido sake.
Eriko Terada, a responsável pela destilaria, recebe-nos calorosamente à hora marcada. Leva-nos até a uma câmara térmica onde ja estão quatro pessoas a trabalhar. Há uma série de tarefas que têm de ser executadas com o arroz a uma determinada temperatura.
Passar dos 4 graus da rua para temperaturas perto dos 40 graus dentro da câmara é um choque térmico considerável. Até o meu equipamento fotográfico se ressente. O sensor começa a mostrar umas tonalidades estranhas em algumas fotos. Forma-se condensação nas lentes. A própria máquina começa a aquecer ao ponto de quase não a conseguir segurar. Por vezes tenho de interromper a sessão de fotos, perdendo alguns momentos fotografáveis, para que as coisas voltem ao normal. Já tinha ficado sem uma máquina nesta viagem devido a avaria. Não podia arriscar a ficar sem a única que me restava como backup.
A destilaria Juji Asahi trabalha com produtores locais. O arroz vem de campos nas montanhas de Izumo e Okuizumo. A água, que deve ser o mais pura possível, vem das montanhas de Kitayama, a norte da cidade. Izumo sempre teve, na consciência japonesa, uma ligação muito forte com a mitologia. É onde existe aquele que é o mais antigo santuário Shinto do Japão, o Izumo-taisha, com mais de mil anos. É onde todos os Outonos, se realiza um festival no Outono em honra dos Deuses Shinto que regressam ao Japão por uma semana. Talvez por esta proximidade, o Touji (mestre artesão da destilaria, responsável por garantir a produção do sake segundo os métodos tradicionais) oferece a um pequeno altar Shinto a primeira bola de arroz cozido do ano. Um agradecimento aos Deuses pela matéria prima que providenciam, e também um pedido para o sucesso na produção desse ano.
Nos dois dias seguintes visito a destilaria mais vezes e continuo a fotografar o processo. É pouco tempo, mas mesmo assim consigo observar algumas das fases mais importantes, como a cozedura do arroz, nas grandes tinas e a aplicação do koji. O koji são os esporos do fungo Aspergillus Oryzae. Mal se conseguem ver a olho nu, mas são muito importantes para dar início ao processo de fermentação.
Três dias é muito pouco para fotografar o processo de produção de sake na totalidade, especialmente em Novembro que é quando se começa a preparar o arroz para a primeira fornada. Em Janeiro talvez fosse suficiente pois haveriam diferentes fornadas em diferentes fases do processo. De qualquer forma tento aproveitar o melhor que consigo, e espero um dia poder voltar com mais tempo para documentar o processo na totalidade.